Não sei se vos acontece o mesmo, mas uma das coisas que faço muito em Lisboa é andar com os olhos postos no chão.
Não porque tenha vergonha de olhar as pessoas nos olhos, ou porque não haja coisas bonitas para ver nesta maravilhosa cidade, mas sei que se tirarmos os olhos do chão por mais do que uns passos, splash, pisamos o que não queremos, ou pior ainda, caímos num buraco.
Quando cheguei ao Japão este hábito deu-me jeito para descobrir uma das muitas coisas únicas que este país têm. As tampas de esgoto ou como se diz por lá マンホールの蓋.
Cada cidade ou bairro têm uma diferente, normalmente com motivos característicos desse local. Por exemplo em Nara os veados são um dos motivos. Lá os veados são considerados mensageiros dos deuses, e há centenas deles espalhados pela cidade.
Das 3 viagens ao Japão que fiz, Nara foi sempre uma constante. Não só porque adorei a outrora capital do Japão e a sua atmosfera centenária, mas também porque queria partilhar essa sensação aos meus companheiros de viagem.
Nara foi a primeira capital do Japão e como tal tem uma história e cultura únicas.
A maior atração turística de Nara é sem dúvida o Todai-ji, que é atualmente o maior edifício de madeira do mundo. Lá dentro encontra-se majestosamente sentada uma estátua de buda com quase 15 metros de altura, chamada Dai-butsu. Mas apesar de ser um ponto obrigatório de visitar, é nos outros pequenos locais que se encontra a magia de Nara.
Logo ao lado e longe das multidões temos Nigatsu-dô e Sangatsu-dô dois templos que fazem parte do complexo e que proporcionam vistas magníficas sobre Nara. Descendo pelo jardim de Nara (Nara-Koen) que é magnifico e enorme, podemos andar quilómetros em que só temos como companhia os veados que aqui são protegidos e existem às centenas.
O meu sítio preferido para parar e relaxar é uma pequena casa de chá no meio do parque chamada Mizuya-chaya. O chá é maravilhoso e até pode-se comer um bom udon.
Depois encontramos como por magia, um templo Kasuga Taisha que está repleto de lanternas de bronze. Mal sabia eu que este é dos templos mais importantes e mais antigo de Nara.
Depois de andar mais um pouco, vamos dar a um pequeno lago Sarusawa-ike que era perto de onde pernoitei uma das vezes em Nara. É um sítio calmo e relaxante e que tem uma composição cénica muito bonita, com o pagode ao fundo e árvores ao seu redor. Não admira que se veja japoneses a pintar ou fotografar esta bonita paisagem.
Mas Nara tem outro encanto de noite quando as hordas de turistas vão embora e a cidade fica quase que só para nós. Podemos apreciar a cidade com outros olhos e aproveitar a cozinha local centenária num dos seus maravilhosos restaurantes.
De uma maneira geral come-se muito bem em Nara, mas tive duas experiências que vale a pena contar.
A primeira foi quando lá fui pela primeira vez sozinho. Entrei num restaurante muito castiço e antigo (que não me recordo o nome) e pedi Osusume (o que o chef recomenda). Veio um peixe inteiro frito que era suposto comer inteiro, do género dos nossos jaquinzinhos mas 5 vezes maior. Acho que era Ayu, um peixe de rio. Assim o fiz. Confesso que a ideia de comer a cabeça me fez impressão mas afinal era saborosa e crocante. Depois a sobremesa foi uma espécie de tagliatelle translúcida mas feita de arroz com um caldo muito saboroso. Adorei a experiência.
Por contraste numa segunda visita a Nara com os meus amigos fui a um restaurante em que só havia um balcão onde cabíamos os três. Aliás podia-se dizer que tínhamos o restaurante só para nós. Mais uma vez pedimos Osusume mas desta vez saiu-nos mal. À exepção de uns ovos que salvaram o jantar, os outros cinco pratos eram indescritíveis. Pelo menos dois de nós não gostámos. O terceiro amigo até não achou nada mau.
Nara é um exemplo de como existe muita coisa interessante e bonita para apreciar, assim como em todo o lugar no Japão, e diria mesmo no mundo. Mas a arte de fazer as coisas esteticamente apelativas mesmo que estejam no chão é único no Japão.
Existe muita outra informação no chão, como proibido fumar, ou sinais de stop para peões.
Apesar de interessantes, não se comparam à arte gravada nas manhoru no futa (tampas de esgoto) que refletem um pouco a maneira como os japoneses aliam a estética à funcionalidade.
Mais perto do fim da viagem, confesso que já não olhava tanto para o chão. O Japão é um país muito limpo e com tantas coisas para apreciar desde a beleza da natureza à arquitectura moderna e tradicional de cada local.
Quando voltei a Lisboa, vi a cidade com outros olhos. Vinha com o hábito de não me preocupar onde pisava e consegui apreciar toda a arquitetura e beleza lisboeta.
Acabei, inevitavelmente, por pisar um dejecto canino, mas com a cabeça erguida.
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